O que não falam sobre o Hidrogênio Verde

A repetição constante de informações incorretas ou imprecisas, pode levar a uma percepção distorcida da realidade, criando um poderoso instrumento de formação de opinião em massa. Este fenômeno não se limita ao âmbito político, como no caso das “Fake News”, mas se estende a vários outros domínios incluindo a percepção do Hidrogênio Verde (H2V) como “Combustível do Futuro”. Enquanto suas características positivas, como alto poder calorífico e a produção de água pura como único rejeito, são amplamente divulgadas, uma análise mais abrangente revela aspectos menos favoráveis.

Quais sejam, o H2V não se encontra em um reservatório na natureza, necessita de uma fonte de energia sustentável na sua produção por eletrólise que tem uma eficiência de aproximadamente 60%. Isto é, perde-se 40% da energia elétrica renovável com a qual é produzido. A produção do H2V demanda água doce (recurso escasso) na proporção de 17 litros de água por quilo de H2V produzido.

Um bom combustível é uma substância que acumula muita energia, preferencialmente líquida, permitindo seu fácil armazenamento e transporte. Especialmente para a alimentação de veículos, o armazenamento do H2V é caro e/ou ineficiente, sendo objeto de pesquisa e desenvolvimento tecnológico buscando melhorar suas características. Com a tecnologia atual, dentre as possibilidades de armazenamento compatíveis com a mobilidade, destacam-se as tecnologias de alta pressão (800atm) e de liquefação criogênica (-253°C), ambas caras e energeticamente pouco eficientes, mesmo considerando a possibilidade de uso do H2V em Células a Combustível (Fuel Cells) que apresentam eficiência elevada (cerca de 65%).

A Tabela mostrada compara o desempenho no armazenamento do H2V por diferentes tecnologias com a  gasolina e mostra  suas respectivas eficiências desde o combustível à produção de trabalho (η2) e desde a energia elétrica renovável `a produção de trabalho, incluindo a eletrólise (η3).

Tabela 1: Desempenho no armazenamento do H2V. Cálculo feito utilizando os rendimentos: ηeletrólise=60%; ηFuelCell=65%; ηmotorEétrico.=95%; ηCicloOtto=30%.

Verificamos que a energia útil armazenada em 1m3 de gasolina é 2,7 vezes maior que a armazenada em 1m3 de hidrogênio líquido e 4,2 vezes maior que a armazenada em 1m3 de hidrogênio comprimido a 800 atmosferas. Isso desconsiderando o próprio volume dos reservatórios, que não são um tanque comum como na gasolina e demandam um investimento elevado.

A tecnologia de armazenamento de hidrogênio líquido, a que concentra maior massa de H2V, é pouco eficiente energeticamente e apresenta ainda uma restrição adicional: ao se manter o hidrogênio armazenado (a -253°C) por períodos mais prolongados ocorre uma perda de cerca de 1% ao dia, devido à sua evaporação para o ambiente (boil off). Essa característica limita muito as possibilidades de transporte, distribuição e de armazenamento por essa tecnologia, especialmente em veículos de média e pequena escala, restringindo ainda o seu uso ou permanência em locais fechados, pelo risco de explosão.

O H2V pode vir a ter um papel importante como insumo para a indústria química, no refino do petróleo e como precursor de outros produtos (inclusive de combustíveis sintéticos chamados de e fuels), mas não acredito que o quadro apresentado credencie o H2V como um combustível muito promissor.

Professor Mario Olavo Magno de Carvalho | Consultor da SER
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Igor Fukushiro

DIRETOR COMERCIAL

Igor é formado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua no ramo de renováveis desde 2009, tendo ampla experiência no desenvolvimento, estruturação, prospecção e comercialização de projetos fotovoltaicos de Geração Centralizada e Distribuída. Atualmente é responsável pela comercialização dos projetos e originação de novos negócios.